quarta-feira, julho 02, 2003

Deixo aqui o texto que publiquei no Diário do Minho de segunda-feira:

Deputados, um pouco mais de visão!
Manuel Pinto

Ler os projectos de Lei de Bases da Educação a partir do mundo das crianças e adolescentes torna-se um exercício um pouco decepcionante. De facto, dá a ideia de que quer o Governo quer os partidos da oposição, nas iniciativas que esta semana são apresentados no Parlamento, estão mais interessados nos clientes e destinatários da educação e na eficiência do “sistema” do que nas “pessoas que moram nos alunos”.
Vejamos: a Lei de Bases em vigor data de 1986. Em quase duas décadas, o mundo e a vida quotidiana mudaram muito. A integração na Europa, a globalização da economia e das consciências, a dita sociedade da informação e do conhecimento, o papel do ensino na preparação para o exercício de uma actividade (já não falo de uma carreira) – tudo isto, hoje, não tem quase nada a ver com a situação de meados da década de 80. Basta pensar na Internet e nos “mundo” que abriu nos últimos dez anos. Mas podíamos falar também da televisão e da multiplicação das ofertas, da explosão dos jogos electrónicos, da convergência e performatividade das tecnologias, do acesso à informação, do chamado fosso digital e das novas e preocupantes desigualdades a ele associadas.
Novas sensibilidades, “novos modos de compreender”, novas formas de sociabilidade, novos estilos de vida, novos desafios às relações inter-geracionais, novos questionamentos ao que significa, hoje, ser educador ou professor ou estudante – alguma coisa disto perpassa pelas propostas de “lei de bases de educação”? Por mim, o mais que vi foi alguma preocupação com tecnologias, que é sempre a pior forma de questionar o que existe. De resto, todas elas, sejam de direita ou de esquerda, transmitem uma mensagem de continuidade preocupante, uma insensibilidade crua aos “sinais do tempo”, um registo de assertividade e de certezas ao arrepio de um mundo que é feito de inquietações e de interrogações. Nem os preâmbulos indiciam ou sugerem o “ar do tempo” que todos respiramos, todos sentimos ou, pelo menos, pressentimos.
Uma lei é uma lei. Mas nem por isso tem que despir-se do rasgo de horizonte que a palavra – e até a norma - podem conter. A educação é cada vez mais dramaticamente um problema que transborda das paredes das escolas. E que, por isso mesmo, tem de ser formulado de modo diverso, tendo em conta o ecossistema mediático e informativo em que todos – e em especial os mais novos – crescem como pessoas e como cidadãos. Se não se quiser ter isso em conta, tenha-se, ao menos, a lisura de chamar às propostas em discussão “lei de bases da educação escolar”.

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