quarta-feira, novembro 03, 2010

Discussão do dia

Porque já não faz sentido que nos fiquemos pela citação do dia, parece-me que seria interessante discutir o mais recente editorial de Francisco José Viegas na revista Ler, à luz da citação que coloquei no blogue ontem.

Apelo à paciência dos leitores porque segue-se um excerto significativo, necessário para enquadrar as ideias do director da publicação. Partindo do livro de Maria do Carmo Vieira, O Ensino do Português, Francisco José Viegas tece duras críticas ao trabalho do Ministério da Educação nos últimos anos. Aqui fica o pedaço que mais dirá respeito a este blogue:
"A leitura do magnífico livro de Maria do Carmo Vieira fornecerá abundantes casos de estudo, exemplos de como o absurdo se instalou nas escolas a partir de directivas elaboradas por técnicos insensatos e imunes à discussão e à crítica, além de mostrar que ainda é possível recuperar o tempo perdido. Como? Em primeiro lugar, acabando com o poder absoluto da classe de «pedagogos teóricos» que adquiriram o estatuto de inimputabilidade no Ministério da Educação e que, como escreve Carlos Ceia - citado no livro - transformou «o programa de Língua Portuguesa» num «programa de Práticas de Secretariado». A substituição da «Literatura» pelos altíssimos ideais da «competência comunicativa», da produção e leitura dos «textos reais», da «interacção oral» e da «linguística pragmática», obedece ao princípio não só absurdo, mas também preguiçoso e pernicioso, de que o « fundamental é saber que eles saibam ouvir, falar, ler e escrever» - o que é suficiente para a produção de uma classe de burocratas ignorantes, com pouca vontade de aprender ou melhorar os seus conhecimentos, aptos a servir máquinas comerciais ou o aparelho de Estado.

Exagero? Não. Basta ler alguns dos documentos fornecidos por esses buracos negros que tomaram conta do Ministério da Educação nas últimas décadas. O seu empenho no «real» leva-os a menosprezar, com altivez e a arrogância dos medíocres, tudo o que seja o contacto com a Literatura, a História ou a Filosofia (vistas como excrescências e excedentes), em benefício da leitura de textos publicitários, comerciais ou «jornalísticos», de «adequação ao real», como se o «real» fosse uma categoria e a escola uma fábrica de funcionários do Estado e das grandes corporações (por este caminho, as aulas de Português incluirão o estudo de quadros de Excel, acrescentando-se à análise de «telejornais, noticiários, entrevistas, concursos, publicidade, pequenos anúncios, horóscopos, palavras cruzadas, regulamentos, requerimentos, atestados médicos», etc.)."
Eu próprio, na minha tenra idade, serei produto do sistema atrás criticado.

Sem comentários: