terça-feira, março 08, 2011

O andaime e a construção


Se se traduzisse em tempo corrido o contacto diário das pessoas com os media – em particular os mais novos e os mais idosos - ir-se-ia encontrar um valor grosso modo equivalente a um emprego a tempo inteiro.
Não é apenas questão dos meios convencionais – imprensa, rádio, televisão, cinema – mas igualmente daqueles que se têm vindo a inscrever nas rotinas do quotidiano: o telemóvel, a Internet, os videojogos …
Pelos dados disponíveis sobre os mais novos, verificamos que, nos últimos dez anos, o consumo de televisão não se alterou significativamente, sendo superior a duas horas diárias, em média. Não conhecendo nem férias nem fins de semana. Mas, entretanto, na faixa dos 10-15 anos, 91% passaram a aceder à Internet com uma regularidade praticamente diária.
Os dados do INE indicam que são diversificados os usos que esses adolescentes adoptam na web. À cabeça surge, destacada, a realização de trabalhos escolares, o que, em muitos casos, significa uma coisa muito simples: “ir ao Google”, digitar uns termos de pesquisa e copiar e colar o que vier à rede. Recentemente, numa escola, a um pedido da professora para que os alunos pesquisassem sobre Gil Vicente, o que “veio à rede” e chegou às mãos da docente foi informação acerca do clube de futebol com o nome do grande dramaturgo.
Esta ‘cultura do copy-paste’ deveria ser urgentemente objecto de um plano de acção que ajudasse os mais novos (e os mais velhos) a saber pesquisar a informação na Internet, a olhar com atenção para as fontes, a avaliar a sua pertinência e validade. De outra forma, sob a capa do modernismo e da inovação, estar-se-á a formar analfabetos e trogloditas. E o que se diz da informação da web diz-se dos restantes media, relativamente aos quais a ignorância e a vulnerabilidade (e, por conseguinte, os riscos) não são menores.
Programas como o e-Escolas ou e-Escolinhas quiseram massificar o acesso aos computadores portáteis e à banda larga, sob o pretexto da inclusão (não falemos agora da razão mercantil). Isso naturalmente é bom e necessário. Mas fica-se normalmente por aí e quase ninguém faz as perguntas (óbvias) seguintes: “ e para fazer o quê?” e “com que formação dos docentes?”. Daí que aqueles programas deixem o sabor amargo a obra por fazer. É como se se montasse os andaimes para uma construção e se tomasse aparato dos andaimes pela própria obra a construir.

(Coluna quinzenal do diário digital Página 1, de 07.03.2011)

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